quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ø INICIO


Essa noite eu tive um sonho de sonhador, maluco que sou eu sonhei: Com o dia em que a terra parou.(...) Como que se fosse combinado em todo o planeta, naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém. – Raul Seixas: O dia em que a terra parou.

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Ø INICIO

Tudo começou quando eu menos esperava, em um dia que eu nunca imaginaria. Eu só era um estudante comum de uma escola comum que vivia de maneira normal. Até hoje.

Acordei cedo como sempre fazia religiosamente ás 6 da manhã de cada dia; Porém, não foi cedo o suficiente, acordei meia hora atrasado, fiquei na madrugada fazendo trabalho de física que deixei de última hora para entregar, ser estudante também não é fácil... e quem diria que até aquela chatice um dia me faria tanta falta. Não fiz o que faço diariamente, não tomei banho e também não tomei o meu café da manhã. Péssima idéia a minha. Lavei o rosto coloquei o uniforme, peguei minha mochila e fui. Não fui correndo, mas não fui devagar, caminhando ao longo da rua cheia de névoa e fria finalmente cheguei ao meu destino: a escola.

Costumava ser um lugar bonito: na entrada um jardim florido que tinha vários caminhos por onde ninguém passava, caminhos que iam entre as flores coloridas que cheiravam primavera. Metros de distância podíamos ver também dois belos chafarizes de anjos que esguichavam água pura e cristalina. Pelo menos deveriam esguichar. Fazia tempo que este jardim não era do jeito que descrevi para vocês. Na verdade, agora ele é apenas um campo de terra negra e infértil onde jaz a figura de dois anjos, que mais parecem demônios possuídos pelas trevas. A figura angelical que devia representar o amor entre os homens estava coberta de lodo e só esguichava algo quando chovia, porém a chuva que limpa chegava a estátua, por ela era transformado em um líquido negro que cheirava a podre.
Pouco preocupado com o mundo, e com pressa, não quis perder tempo dando a volta no que era o jardim e passei pelo meio dele chegando a grande porta de vidro que estava aberta.
Roger(Segurança): Ei Victor, atrasado de novo?
Victor: Infelizmente, tenha um bom dia. –
Passei por ele com cara de bobo, para que ele esquecesse que ultimamente ando meio relaxado. Era sexta e tinha me atrasado quatro vezes naquela semana. Pelo menos o final de semana está perto.
Roger: É a quarta vez em uma semana, lamento, mas você não vai poder entrar. Victor: Ah! Qual é?! Vamos! Eu prometo passar na diretora!
Roger: Tudo bem, mas vou ligar para ela para dizer que você está indo. Minha cara de bobo nunca foi muito boa mesmo. Enquanto os números do ramal da diretora eram discados, eu olhava naquela porta de vidro, aonde conseguia ver o meu próprio reflexo. Os cabelos meio bagunçados, (des)penteados de qualquer jeito no espelho do banheiro de casa.
- Dona Lenani, o nosso aluno Victor está aqui na frente atrasado pela 5ª vez essa semana. Posso deixar entrar, e ir falar com a senhora?
Maldito Roger... a escola não lhe paga tão bem assim pra poder fazer SEMPRE o seu trabalho com tanta maestria.
Segui meu caminho para a diretoria, mas não ia ser pego, o trabalho de Física era de verdade.
Diretora: Victor Juliani Rodrigues – quando te chamam pelo seu nome inteiro, pode acreditar que vai dar merda – essa sua atitude é inaceitável! Você deveria ter mais responsabilidade com os seus deveres de aluno. Tenho que ligar para seus pais para conversar seriamente com eles.
Victor: Você não vai conseguir, meu pai está trabalhando na capital – ele costuma ir para lá todo mês e ficar por volta de uma semana, sorte a minha, por que enquanto isso a vadia bêbada da minha mãe... caralho, eu falei isso em voz alta? –
Diretora: Você não deveria falar da sua mãe assim! Eu a conheci e sei que ela é uma ótima pessoa e... – ...e aí o sermão começa, sempre que eu falo isso a diretora faz um discurso de vinte minutos sobre respeito pelas pessoas, ou pela sua família, sei lá, nunca prestei atenção no que ela falou. O que é uma pena. Pois isso poderia ser muito útil para mim e blá,blá,blá....
Diretora: VICTOR! Você está me ouvindo? Victor: Sim senhora! Mas então, eu posso entrar? Hoje eu tenho um trabalho de Física do qual eu fiquei até de madrugada fazendo, e não posso perder essa, a única oportunidade de entregar.
Ela fez uma cara de decepção como sempre faz, quando percebe que não estou dando a menor importância pro que ela diz, mas me deixou entrar na aula. A primeira aula era de geografia, preferi matar ela e fui pros fundos da escola, onde tinha um riacho e uma sacada tosca no meio do matagal que o pessoal chamava de Titanic. Normalmente lá se reunia um pessoal com um violão e uns baseados, apesar de eu não fumar o clima era bem legal e dava pra descontrair. Havia alguns dias em que não éramos apenas nós que sentíamos o cheiro de baseado. Bem, sempre conseguíamos fugir antes do Roger reconhecer qualquer um de nós. Ficávamos alguns meses em outros lugares no pátio da escola, mas aquele lugar sempre era o point dos maconheiros. Se fossemos pegos, seria expulsão na certa.

Fiquei lá até o sinal tocar ouvindo uma versão reggae de Hotel Califórnia, e viajando na estrada depois de entrar em um hotel mal-assombrado e ser feito de escravo por serviçais malucos – Resumo de Hotel Califórnia – A aula de física me espera. O trabalho foi devidamente entregado, enquanto eu esperava a minha vez de apresentar o meu trabalho. O suor dos outros alunos pingava de nervoso... aliás, sentirei falta de todos eles, quanto tiver que bater na cabeça de qualquer um deles com uma barra de ferro para a minha própria salvação, para a minha não-extinção. O sinal da próxima aula bateu antes do meu nome ser chamado para a apresentação do trabalho. E por sorte, vou ser um dos últimos a apresentar... ah, mamãe, uma coisa de boa você fez na sua medíocre vida. O resto do dia foi chato e igual ao de sempre. Graças a Deus era sexta, a ultima aula terminava 12h30min. Fui pra casa para almoçar, estava morrendo de fome... não tinha tomado café, lembra?. Na porta da minha casa, me esperando ansiosa estava Agatha, ela era apenas dois anos mais velha que eu, mas eu a considerava como minha mãe, já que a minha progenitora é meio... livre. Agatha era uma pessoa responsável. Com o seu próprio suor tinha conseguido um carro bom. Um carro caro. Não deve nada a ninguém, nem mesmo a família. Talvez por isso eu a considere a minha segunda mãe, pela semelhança na nossa própria história. Ela tinha traços indígenas numa pele mais clara. Os olhos negros procuravam no seu rosto alguma satisfação. Ela era uma jovem muito bela.
Agatha: Ei Vitinho, onde é o incêndio?
Victor: Vou almoçar, estou realmente com MUITA fome.
Agatha: Victor, você tem que ir falar com o psicólogo que o juiz mandou, você vai se atrasar venha comigo. Victor: Mas eu estou faminto!
Agatha: Esqueça! Se você chegar atrasado ele vai achar que você é um irresponsável e você vai pro reformatório!
Victor: Não exagera! – a ignorei e fui para dentro de casa para almoçar.
Agatha: PAREE! – Aquela palavra entrou nos meus ouvidos como um alarme do qual eu não pude escutar, a vida é feita de erros e esse foi um dos meus piores, pobre de mim. Quando terminei de destrancar a porta e fui entrar na minha casa, eu tive minha ultima chance. – Se você entrar nessa casa, eu nunca mais faço nada por você. Porra, to tentando te ajudar, cara. Você não consegue enxergar? –Eu a ignorei... E se querem uma dica, aproveitem a ultima chance, pois não haverá outra.

Assim que entrei em casa, ela fechou os olhos e pude sentir o lamento de sua alma em me abandonar, mas Agatha era uma pessoa de palavra e com forte determinação. Ela entrou em seu carro e saiu. Mas vocês devem estar se perguntando que papo é esse de reformatório e juiz... Não sou nenhum meliante, mas ultimamente pareço ser o único que sabe disso.

Há três dias atrás, eu estava voltando do cinema, era tarde aproximadamente meia-noite, estava escuro e frio, queria chegar em casa o mais rápido possível, porém fui tomado pela curiosidade ao escutar uma mulher gritando socorro. Foi só uma vez, mas algo me dizia que o grito vinha de um beco ali perto, corri para averiguar. Dois meliantes – eles deviam ter a minha idade – estavam com uma arma apontada para uma mulher que estava preste a ser estuprada pelos dois. Merda! Não sei que ato de burrice milenar brotou em minha cabeça para que eu gritasse: Parem com isso! – talvez você a adrenalina do filme, eu talvez quisesse me sentir o herói ou talvez fosse só burrice mesmo. O que importa é que eu me fodi legal, e tudo pela bondade.
Meliante 1: ih... Olha só o cara! Ta tirando uma com a nossa cara meu chapa?!
Victor: Não! Mas quero que deixem-na em paz!
Meliante 2: Não deixa a putinha escapar não, eu ainda tenho que aliviar o bichinho aqui. Eu dou um jeito nesse cara e tu cuida da cadela. O bastardo simplesmente partiu para cima de mim e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele desceu um soco violento na minha cara fazendo eu cair no chão. Ele era mais forte e maior do que eu. Após o soco ele me deu dois chutes na barriga, enquanto estava caído. Cuspi sangue e lastimei minha atitude, era fraco perante eles e não tinha poder no mundo que me salvasse da humilhante derrota que sofri, mas como se isso não bastasse para eles, aquele filho da puta me pegou e me jogou na parede me fazendo cair ao lado da mulher. Estava tão indefeso quanto ela, agora com uma arma apontando para minha cabeça.

Esse mundo é uma merda. Eu fui tentar ajudar alguém e acabei ferido num beco escuro, tarde da noite ao lado de uma mulher azarada e dois marginais que estavam prestes a me matar. Não! Eu não posso aceitar isso! O mundo tem que ser um lugar justo e...tinha um cano de ferro dando sopa do meu lado. Não pensei duas vezes, virei com o que me restava de força para atingir os dois filhas da puta. Mas aquele babaca disparou antes que eu pudesse acertá-lo. Duas pessoas morreram naquele dia. Meu golpe havia feito o marginal atirar, o tiro acertou a mulher e eu acertei ele. Ele caiu bateu a cabeça e morreu, o outro fugiu e eu nunca mais vi.

A polícia chegou, e me achou com uma arma na mão – sim eu fui burro de pega-la, mas o que você faria? Sairia correndo como um idiota? Talvez fosse melhor, mas os problemas nós enfrentamos de frente e eu não ia fugir. Não era culpado! – e duas pessoas mortas. Passei o resto daquela noite em uma cela desconfortável ao lado de um bêbado que não conseguia calar a merda da boca.

Hoje era meu encontro com o psicólogo, se eu mostrasse arrependimento, mostra-se que sou um bom garoto e blá blá blá eles achariam que eu sou inocente e me deixariam com ficha limpa, ou quase isso. Não poderia perder nenhuma consulta com o psicólogo, afinal, eu ainda era um meliante para eles. Não aconteceu coisa pior por falta de provas. Mas eu ainda precisava tirar o meu da reta.

Voltando a minha casa... A culpa me corroeu por dentro e antes que pudesse fazer qualquer coisa em casa, voltei com vigor e abri a porta buscando Agatha em meu olhar.
’’ESPERE!!!’’ Gritei com todo o ar que havia em meus pulmões.
Era tarde, ela já havia ido. No inicio não dei muita importância, achei que tinha apenas perdido uma carona e que depois iria ficar tudo bem entre eu e ela, então fui andando pro fórum da cidade. Era o melhor que tinha a fazer.

Passando pela rua principal, deparei-me com um acidente: um carro havia caído no rio. Ouvi entre os cochichos da multidão que era um Honda vermelho, placa TIM – 0089. Comecei a rir de nervoso. Não costumo lembrar de coisas assim, mas eu sabia que a placa do carro de Agatha tinha as letras TIM. Macacos me mordam. Corri para a margem do rio para comprovar se era o carro de Agatha. Entre muitos curiosos e fofoqueiros, fui entrando no meio das pessoas. Entrei em desespero quando consegui olhar pro rio. Uma lataria amaçada, uma poça de sangue sendo levada pela correnteza, e o pior: os cabelos negros sendo levados pela correnteza. Agatha tinha morrido.
A pessoa em quem eu mais confiava, a pessoa mais animada, carinhosa, amigável e sincera do mundo terminou em meio ao monte de ferro velho, como milhões de bêbados e motoristas imprudentes. Porque? Meu mundo desmoronou em cima da única base que me mantinha em pé. O socorro chegou, enquanto a única coisa que eu conseguia era olhar para os meus próprios pés, com o olhar estático, e o rosto mudo. Nenhum aí saiu da minha boca, e apenas uma lagrima caiu do meu olho. Andei, devagar e com os olhos frustrados. Andei, entre carros furiosos. Os motoristas me xingavam pela minha falta de atenção. Que vão para o inferno! Cheguei em casa, e sem ligar abro a porta e deixo como entrei. O vento batia e fazia a porta rosnar para mim. Sentei no chão imundo da sala de estar e fiquei lá por horas(até quebrei a droga do telefone que não parava de tocar, não queria saber de nada.) e durante essas horas fiquei chorando. Não consegui dormir e nem comer. Fiquei na sala de casa até que a noite chegasse e a escuridão domina-se o local.

Eu tenho muita garra, portanto eu poderia ali por horas, mas fazia uns 15 minutos que a campainha estava tocando. Eu não ia atender, mas de repente escuto um barulho muito forte colidindo com a porta que eu nem me importo mais. Quando caminha até mim um policial armado, mirando em minha cara.
Policial: Victor, você será recolhido e levado para o tribunal, onde irá passar por julgamento. Não vamos fazer as coisas serem difíceis. Não quero ter que usar a força, me acompanhe por bem. Victor: Vá para o inferno.
Meu desejo estava prestes a ser realizado, do nada algo pula pela janela quebrando-a. Não consegui ver direito o que era, mas percebi um clarão na rua proveniente de faíscas do poste que ficava em frente a minha casa. A energia caiu. Ouvi dois, talvez três disparos antes da energia voltar, enquanto eu me encostei na parede, querendo me proteger dos disparos.
Quando a luz voltou, foi um choque. O policial no chão, gravemente ferido no ombro sangrando pra caralho e do outro lado da sala um cara também gravemente ferido com 3 tiros no seu corpo. Estava pasmo e sem palavras, não sabia o que fazer.
Policial: AAARRGGGHHHHHH!! CHAME UMA AMBULÂNCIA!!

Sem respondê-lo, corri para o meu quarto onde estava meu celular (Havia quebrado meu telefone) liguei ele e percebi que tinha 11 SMS não lidas, aquelas ficariam para depois, pois logo liguei para emergência.
Atendente: Estamos sem ambulâncias disponíveis no momento, por favor ligue mais tarde.
Como não tem ambulâncias disponíveis nessa merda de cidade?! Tem umas vinte ambulâncias no hospital, e quase sempre que eu vou lá estão pelo menos umas seis ou sete estacionadas. Não havia o que fazer, se não apenas avisar o policial, e ajudá-lo chegar ao hospital de outra forma.Corri para a sala para avisar o policial, que por algum motivo diabólico não estava mais no chão. Em seu lugar apenas uma poça de sangue quente, da cor do vinho diabolicamente mais doce. Fiquei assustado, talvez ele correu para tentar estancar o sangramento com alguma coisa... um pano, sei lá, porra. Afinal, o que diabos foi aquilo? Eu ainda sim tenho que ir embora. Me lembrei do outro corpo e... Não estava mais lá, jogado ao outro canto da sala. Mas o que diabos?
Ta, isso foi muito estranho mais não foi um sonho, as cápsulas das balas estavam no chão e o sangue também. “ Calma Victor, é só manter a calma deve haver alguma explicação lógica e razoável para isso e...” Meu pensamento foi interrompido por um cara desesperado que veio correndo até a entrada a minha casa, porém há poucos centímetros da porta ele foi atacado por alguma coisa cuja qual só posso descrever como um vulto veloz. O que diabos está acontecendo?Minha cabeça estava um turbilhão...Era melhor eu pensar rápido.
Fechei a porta e usei todas as três trancas que tinha na porta. Apaguei as luzes, fui para o meu quarto, fechei a porta e coloquei uma mesa de escrever que eu tinha para impedir que alguém a abrisse. ‘’Seja lá que merda esteja acontecendo, não é bom’’ Pensei comigo.

No inicio fiquei meio atordoado com a situação toda. Mas logo me lembrei das SMS no meu celular e peguei-o para lê-las. As primeiras eram sobre o encontro com o psicólogo, 2 da minha mãe, 3 de minha amiga, 2 da psicóloga e 2 do meu pai. Poderia as deixar para depois, ou talvez pra nunca. Mas as mensagens que importavam mesmo eram as três restantes. Uma de Julia, perguntando se eu estava em casa e se estava vendo TV, outra de meu amigo Pedro mandando eu ligar na rede globo e a ultima, mandada há uns 20 minutos atrás pelo meu outro amigo Leo, falando pra eu olhar na janela.

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Liguei a TV e estava fora do ar...Então corri para olhar na janela.
‘’Mas que porra é essa???!!’’ A cidade estava caótica, vários corpos no chão, pessoas apavoradas correndo de um lado pro outro tentando salvar suas vidas... Em vão, quase todas se não todas morreram. Eu só havia visto essas coisas em filmes e acredite, não era nas comédias.